quarta-feira, 9 de maio de 2007

O veneno do cansaço



Participar de um festival de cinema numa maratona de filmes durante o dia inteiro é diferente. Estou na oficina (último dia) com Paula Gaitán e, apesar de vermos em geral, curtas-metragens, vemos em grande quantidade e de conteúdo bastante complexo: cinema não-narrativo, poético, contemplativo. Desde Meliès até Martin Arnold. Como Paula intitula sua mostra no Rio de Janeiro, “Cinema que Pensa”.

Nesse contexto de passar o dia inteiro na Usina Cultural da Saelpa (locação do Cineport), quando chegamos à noite para assistir aos longas da competição de 35mm, temos a mente e corpo cansados, o que atrapalha bastante a recepção de belas obras como O Veneno da Madrugada de Ruy Guerra.

Porém, a força do filme foi claramente maior que o cansaço. O trabalho de Guerra junto a Walter de Carvalho (que, por sinal, me parece que nunca erra na fotografia, seja qual for o trabalho) é carregado de uma plástica extremamente influenciada pelos quadros de Goya. A construção dos planos está, muitas vezes, delimitada pelo uso de janelas, paredes, sombras, como nos filmes de Wong Kar-Wai. O uso de planos-sequência, junto a esses recursos visuais, traz uma dinâmica única ao filme. Somos um personagem que está sempre observando tudo às escuras, descobrindo os segredos do povoado onde se passa a ação do filme.

Ruy Guerra usa toda essa estética para atingir o objetivo vertiginoso da história. Nunca está claro no filme as verdadeiras intenções de cada um. O enredo é muito mais para ser sentido através da dimensão sensorial proporcionada nas imagens e, de forma peculiar, nos sons. Todos eles com força extrema, vindo de forma brusca. Os climas, muito bem construídos, de tensão e agonia (representada na metáfora do dente podre do Alcaide) tem apenas o pequeno erro de usar trovões repetidas vezes em falas mais dramáticas ou reveladoras. Um filme que merece ser revisto graças a sua carga emocional e direção muito bem trabalhada.


Últimos filmes vistos no CIneport


CURTAS

Canto de Amor – Jean Genet **
The Knife – Jack Goldstein **
A viagem à Lua – Meliès ***
O Bolo – Taciano Valério *
Um Fazedor de Filmes – Arthur Lins e Ely Marques ****
SHSHSH: Sintonia Incompleta – Mário Jorge Neves (Portugal, animação) ***
Cara de Cão – Helena Lustosa *

LONGAS

O Veneno da Madrugada – Ruy Guerra ***

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