A última quinta-feira foi um dia de grande expectativa para mim. Há muito que leio com freqüência rígida as revistas eletrônicas de cinema Contracampo e Cinética. As duas, na temporada passada de festivais, citaram com grande entusiasmo o filme Juventude em Marcha do realizador português Pedro Costa. Alguns dos jornalistas que escrevem para a revista publicaram textos realmente apaixonados pelo filme e até o elegeram como o melhor das mostras. Tais críticos de cinema tem o prazer de poder conferir grandes filmes com certa freqüência devido ao local onde moram. Porém, leitores de cidades "distantes" como João Pessoa, dificilmente tem acesso aos mesmos filmes, a não ser pela internet. Logo, Juventude em Marcha era para mim um filme que trazia muita curiosidade e expectativa. Quase fiz festa quando soube que haveria a exibição do mesmo no 3º Cineport. Porém, não é dele que quero falar ainda.
98 Octanas (Fernando Lopes, Portugal) ***
Ao contrário das outras ficções de Portugal que assisti no festival (Pele e Coisa Ruim), esse filme de Fernando Lopes traz zelo na direção, fugindo de clichês. Assim como tantos outros diretores portugueses, nunca vi nenhum outro filme de Lopes, porém, 98 Octanas tem um traço autoral claro. História simples (apesar de atrair poucos): casal se encontra em loja de conveniência no meio de viagem e o homem dá carona a mulher. Os dois começam aí uma relação travada por dureza nas palavras, no falar. Isso, quando se fala. Enquanto Maria está sempre disposta a conhecer mais Rogério, ele está sempre distante, sendo grosso e frio. Aos poucos, durante a viagem, são revelados segredos de cada um que fazem a relação se aprofundar.
Road-movie sem necessariamente ter esse gênero traçado com precisão, 98 Octanas tem como ponto forte a sinceridade na direção. Planos-sequência trabalhados de forma a construir uma mise-en-scene rica em tensão, revelações, trabalhando o movimento dos corpos no espaço com beleza que não se viu muitas vezes no festival. No trato da relação de afeto entre os dois personagens, há muito de Um amor à flor da pele de Wong Kar-Wai. Tudo parece estar sempre por acontecer, mas não se concretizam os desejos. Um filme rico em sensações. Falha, por muitas vezes, nos diálogos, que se tornam um tanto bobos em muitas vezes. Penso que há aí uma diferença cultural que não torna o filme tão universal quanto poderia. Porém, diante de algumas péssimas obras portuguesas que apareceram pelo festival e que concorrem em categorias principais, fico sem entender por que 98 Octanas concorre apenas ao prêmio de melhor música (ótima por sinal) e melhor ator, para Rogério Samora.
Juventude em Marcha (Pedro Costa, Portugal)
Peço sinceras desculpas aos leitores. Um filme atordoante que não me sinto preparado para escrever sequer algumas linhas. “Desconcertante” talvez seja a única palavra que quero deixar por enquanto. O filme de Pedro Costa não se enquadra em nada que conheço. Nem uma nota eu ouso deixar. Porém, para não dizer que sou um incompetente por inteiro, deixo apenas algumas citações da conversa pós-sessão com o amigo Arthur Lins:
“O montador foi quem apresentou o filme. Acho que você não tava na sala ainda. Ele veio informar que ao contrário dos 93 minutos que estão no programa, na verdade eram 155 minutos!”
“Ele está aí? Preciso ir perguntar a ele se ele não teve vontade de cortar mais...(risos)”.
“Cara, o Ventura parece um fantasma, né? Essa coisa dele ficar lá dormindo sozinho no apartamento, o jeito dele andar...”
“Sim...é mesmo. Várias vezes no filme eu me lembrei do Last Days de Gus Van Sant”.
“A legenda é que complicou. Uma hora tem legenda, outra não! O que era aquilo? Quis entender a carta que ele repetiu 10 vezes e nenhuma vez teve legenda”.
“Fotografia e planos são completamente fora do padrão, né? Tudo com muito teto, enquadrando muito perto do chão, sem profundidade de campo, muitos brancos em contraste com a pele e roupa do Ventura”.
No mais, filmes assistidos ontem:
98 Octanas (Fernando Lopes, Portugal) ***
Juventude em Marcha (Pedro Costa, Portugal)
Curtas:
Sete Minutos (Cavi Borges, Brasil) **
Sal Grosso (André Amparo e Ana Cristina Murta, Brasil) ***
The End (Victor Candeias, Portugal) *
Balada das Duas Mocinhas de Botafogo (João Caetano Feyer e Fernando Valle, Brasil) ****
Tapa na Pantera (Ioiô Filmes, Brasil) ****
Hoje é a noite de
Cartola, O Ano em que meus pais saíram de férias e
O Céu de Suely. Além do novo filme de Kiko Goifman.
abraço's!